David William Foster atua como
professor na Arizona State University há praticamente 38
anos. É considerado pela comunidade acadêmica como
uma das maiores autoridades mundiais em Cultura Latino-americana.
Sua área de trabalho mais constante é o Espanhol,
ministrando regularmente cursos de língua, literatura e cultura.
Doutorou-se na University of Washington aos 23 anos. Tem uma produção
científica exemplar, que inclui a responsabilidade por 53
livros, publicados em diversos idiomas e em diversos países.
Afora isso, é responsável por coletâneas de
ensaios, estudos monográficos, organização
de antologias e volumes de referências bibliográficas
para pesquisadores.
Em outubro de 2001, o Prof.
Foster recebeu uma homenagem promovida por um conjunto de instituições
norte-americanas, na forma de um Colóquio Internacional denominado
Fosteriana, em que participaram pesquisadores de vários
países. O referido Colóquio contemplou as diversas
áreas de conhecimento em que o Prof. Foster tem o reconhecimento
de sua contribuição por parte da comunidade acadêmica
internacional. Dentre seus campos de atuação, estão
Língua Espanhola e respectivas literaturas, Estudos Judaicos,
Estudos Femininos, Estudos Queer, Cinema, Teatro, Estudos
Jurídicos e Estudos Interdisciplinares.
É importante salientar
que, em novembro de 2001, o Prof. Foster esteve na Universidade
Federal de Santa Maria, a convite do Grupo de Pesquisa Literatura
e Autoritarismo. Nesse evento, ministrou um curso sobre Literatura,
Cultura e Sexualidade na América Latina, e apresentou
uma conferência sobre Cultura Latina e Violência
Social e Cultura Urbana e Produção Cultural.
Dentre as principais publicações
do Prof. Foster estão: Mexico City in Contemporary Mexican
Cinema. Austin: University of Texas Press, 2002. Producción
Cultural e Identidades Homoeróticas: Teoría y Aplicaciones.
San José: Editorial de la Universidad de Costa Rica, 1999.
Gender and Society in Contemporary Brazilian Cinema. Austin:
University of Texas Press, 1999. The Writer Reference Guide
to Spanish. Austin: University of Texas Press, 1999. With Daniel
Altamiranda and Carmen de Urioste. Espacio Escénico y
Lenguaje. Buenos Aires: Galerna, 1998. Violence in Argentina
Literature; Cultural Response to Tyranny. Columbia: University
of Missouri Press, 1995. Cultural Diversity in Latin American
Literature. Albuquerque: University of New Mexico Press, 1994.
Contemporary Argentina Cinema. Columbia: University of Missouri
Press, 1992. Mexican Literature; a Bibliography of Secondary
Source. 2nd ed. Enlarged and updated. Metuchen, N.J.:
Scarecrow Press, 1992. Gay and Lesbian Theme in Latin American
Writing. Austin: University of Texas Press, 1991. Brazilian
Literature; a Research Bibliography. New York: Graland Publishing,
1990. From Mafalda to Los Supermachos; Latin American Writing
Humor as Popular Culture. Boulder: Lynner Rienner, 1989. Social
Realism in the Argentine Narrative. Chapel Hill: University
of North Carolina at Chapel Hill, North Carolina Studies in the
Romance Languages and Literatures, 1986. The Argentine Teatro
Independiente, 1930-1955. York, S.C: Spanish Literature Publishing
Company, 1986. Alternate Voices in the Contemporary Latin American
Narrative. Columbia: University of Missouri Press, 1985. Cuban
Literature: A Research Guide. Boston: G. K. Hall, 1984. Estudio
sobre Teatro Mexicano Contemporáneo; Semiología de
la Competencia Teatral. New York: Verlag Peter Lang, 1984. Para
una Lectura Semiótica del Ensayo Latinoamericano; Textos
Representativos. Madrid: José Porrúa Turanzas,
1983. Studies in the Contemporary Spanish-American Short Story.
Columbia: University of Missouri Press, 1979. Augusto Roa Bastos.
New York: Twayne, 1978. Currents in the Contemporary Argentine
Novel. Columbia: University of Missouri Press, 1975. Luis
de Góngora. New York: Twayne, 1973. With Virginia Ramos
Foster. Unamuno and the Novel as Expressionistic Conceit.
Hato Rey, PR: Inter-American University Press, 1973. Christian
Allegory in Early Hispanic Poetry. Lexington: The University
Press of Kentucky, 1971. The Myth of Paraguay in the Fiction
of Augusto Roa Bastos. Chapel Hill: University of North Carolina
Press, 1968.
DADOS SOBRE A ENTREVISTA
David W. Foster: Um dos efeitos
do processo econômico neoliberal tem sido produzir uma reação
entre os produtores culturais. Quer dizer que sim. Por um lado,
tem havido esse fenômeno que a sua pergunta sublinha, quer
dizer, a contorção de alguns valores nacionais; mas,
ao mesmo tempo, tem tido uma reação e uma reafirmação
da identidade nacional do México, da Argentina, do Brasil;
pelo menos uma reflexão sobre a questão da identidade,
da natureza da identidade, como se pode manter uma identidade, quais
são os conflitos ideológicos que tendem a manter uma
identidade e simplesmente se existe uma identidade nacional. Não
devemos esquecer que, quando acontece o processo neoliberal, não
se tem necessariamente uma identidade fixa numa sociedade como a
latino-americana, assim como em nenhuma sociedade do mundo. Existe
um feixe de fenômenos de identidades, uma série de
preocupações sobre a necessidade da construção
de identidades, mas nunca existe uma identidade nacional fixa. Então,
eu acho que um dos efeitos do processo neoliberal é focalizar
uma preocupação pela identidade. Muitos dos filmes
que eu analiso sobre a cidade de México são filmes
que têm a ver com um enorme crescimento demográfico
nessa cidade, com o colapso da infra-estrutura de serviços
públicos e sociais. Esses são todos fenômenos
que ultrapassam o processo econômico neoliberal, são
fenômenos que existem como parte do fenômeno da cidade
de México. Agora, esses fenômenos podem ter tido efeitos
acrescidos, exagerados, e, poderia dizer, desta maneira, pelo processo
neoliberal. Mas, mesmo que não se tivesse o processo neoliberal,
esses problemas existiriam. Então, eu acho, mais do que nada,
para enfatizar o assunto, que, no caso do neoliberalismo na América
Latina, como conseqüência muito positiva, é uma
reflexão sobre a questão da identidade e a possibilidade
de que uma identidade fixa não seja o necessário para
o progresso, para a estabilidade, para a dignidade, para a beneficência
social, etc.
Lizandro C. Calegari: A propósito
do cinema brasileiro, segundo alguns críticos, ele é
"ruim" porque busca insistentemente uma identidade nacional,
ou seja, uma brasilidade. O roteiro, a direção de
atores, o cuidado formal no artesanato do filme, na maioria das
vezes, são relegados a segundo plano. Tendo em vista essa
assertiva, gostaria de saber, na sua opinião, que critérios
você estabelece para qualificar um filme como "bom"
ou "ruim"? E qual a sua opinião acerca do cinema
brasileiro?
David W. Foster: Eu acho
"bom" ou "ruim" um filme que tem alguma coerência que possa
ser discernida. Tudo isto é bem relativo, é óbvio,
mas acho que é o único critério que pode se
sustentar como, digamos, "universal". Por isso, o detalhe nacional/ista
de um filme, em si, não me preocupa: é difícil
o cinema brasileiro ser outra coisa que brasileiro. Depois de tudo,
não é o cinema norte-americano fundamentalmente um
veículo da(s) ideologia(s) predominante(s) deste país?
O que acontece é que finge não sê-lo e a maioria
do público internacional aceita ser cúmplice desta
ficção. Pois bem: o cinema brasileiro pode ao meu
entender ser tanto brasileiro quanto quiser. O que interessa a
mim é se é capaz de montar um texto semioticamente,
ideologicamente coerente, dentro dos limites do que este espectador/crítico
entende ser coerente. Precisamente, não espero que o cinema
brasileiro pretenda reproduzir as modalidades do cinema norte-americano
(ou francês ou inglês) e em termos gerais não
poderia fazê-lo, de todas as maneira.
Lizandro C. Calegari: A
mulher, no passado, teve seu lugar confinado dentro do espaço
doméstico. Atualmente, vê-se que ela está numa
constante luta de conquista de espaço em diferentes setores
sociais. Em vista disso, em sua opinião, como a mulher vem
lidando para superar determinados preconceitos que permeiam essa
tentativa de mudança de papel social?
David W. Foster: Primeiro
do que nada, é importante defender o conceito do feminismo,
que, às vezes, fica recusado por diversas razões (até
pelas próprias mulheres) que são justificações
encobertas para que as coisas fiquem como são/estão.
Ou, visto de outra maneira, qualquer postulação para
que as coisas não sigam sendo como sempre têm sido
é necessariamente, forçosamente uma forma do feminismo.
Acho que, em termos gerais, na América Latina e no Brasil,
a situação da mulher tem mudado bastante nas últimas
décadas (especialmente após a volta à democracia).
Cada mulher, cada agrupação de mulheres tem que descobrir
sua própria maneira de fazer a luta: ninguém e menos
um professor homem e estrangeiro! pode dizer para elas como devem
fazer sua luta individual e coletiva. O que posso dizer, como princípio
reitor, é que segue sendo absolutamente imperioso entender
duas coisas: 1) os direitos da mulher ainda estão na sua
infância; e, 2) como conseqüência, faz falta seguir
lutando de todas a formas possíveis.
Lizandro C. Calegari: Algumas
mulheres afirmam que com a Revolução Feminina
nada mudou; já outras alegam que aconteceram mudanças
significativas a seu favor. Em sua opinião, existiu, de fato,
um evento que marcasse e atestasse tal ruptura?
David W. Foster: Acho que
dizer que nada mudou é tolo; acho que dizer que o feminismo
já não faz falta é tolo. Na minha opinião,
é impossível marcar um acontecimento definitivo para
a transformação da situação da mulher:
se for imprescindível fazê-lo, seria o retorno à
democracia, pois os direitos das mulheres são questão
da democracia. Mas, ao meu ver, o fato mais importante é
quando cada mulher sabe que pode dizer não, quanto ao seu
corpo, quanto ao seu desejo sexual, quanto ao seu destino individual
e coletivo, quanto à sua participação no projeto
social. Isto é democracia para todos, não somente
paras as mulheres. Mas, entender isso constitui, para cada mulher
(e para cada homem) um longo processo de entendimento social: as
coisas nunca são como dizem a você, e nunca vão
dizer a você como são. Seu projeto de vida tem que
ser entendido como são e lutar com as conseqüências
desse entendimento. O que acho que se dever fazer é publicitar
a vida das mulheres e, mais do que nada, seus sucessos na luta contra
o patriarcado e o masculinismo. Diria as mesma coisa quanto aos
gays, aos judeus, aos indígenas ou a qualquer outro grupo
marginalizado, "subalterno". Gostaria de pensar que minha vida é
um ato político, ideológico, no sentido de sempre
querer dar testemunho dos meus compromissos sociais; e uma maneira
que tenho de fazê-lo, como professor, é insistir sempre
em ensinar as vidas e os sucessos na luta dos grupos que ficam fora
dos processos do poder simbólico, político, social
e econômico.
Lizandro C. Calegari: Não
obstante a masculinidade enquanto representação social
tenha entrado em decadência, ainda restam resquícios
de machismo em algumas sociedades contemporâneas. Essa masculinidade
ainda tem valor na sociedade atual?
David W. Foster: Essa é
uma pergunta muito complexa. Diante dos problemas nas sociedades,
a feminidade gerou conceitos fixos. Mesmo que haja uma mudança
na concepção de vida da mulher, sempre vai persistir
uma divisão social entre homens e mulheres. Então,
uma de minhas primeiras colocações seria a necessidade
de se refletir sobre a validez da distinção entre
homem e mulher e, por isso, entre masculinidade e feminidade. No
entanto, ao mesmo tempo, eu diria que o mesmo conceito de masculinidade
tem entrado em decadência não somente em certa maneira
de ser homem. Por um lado, no campo da pesquisa cultural, que chamamos
de estudo da masculinidade, que tem a ver com a maneira como isso
se afirma, a idéia de masculinidade busca sustentar valores
do sistema sócio-político. Então, ao se falar
em decadência ou de resquícios de valores da masculinidade,
eu acho que primeiramente é necessária uma modificação
principalmente entre a idéia de masculinidade. Isso porque
é necessário manter um conceito fixo que restava de
masculinidade e que poderia entrar em decadência ou ascendência.
Dito isso em termos de uma reflexão teórica, acredito
que esteja existindo um machismo em nossas sociedades. Para mim,
no entanto, o mais interessante é entender não somente
como funciona esse machismo, mas o que está representando
esse machismo e como esse machismo é uma maneira de sustentar
o pudor masculino perante uma série de forças, ou
tendências, ou crises que atentam contra o conceito de homem
forte, poderoso, super-herói, integral. Em conversas, temos
falado do fenômeno do "macho triste", porque o macho
é fundamentalmente triste e o que estão encobrindo
é a tristeza do macho. Acho um campo bem interessante de
reflexão a dinâmica do macho em nossa sociedade. Isso
porque, depois de tudo, o macho poderia acabar sendo o mais fraco
dos sujeitos sociais em nossas sociedades.
Lizandro C. Calegari: A identidade
masculina (do menino) é sempre questionada e testada. Já
com a da menina, não ocorre o mesmo. Por que existiria uma
vigilância maior com relação aos comportamentos
masculinos em detrimento dos femininos?
David W. Foster: Não
acho que o menino seja mais questionado e testado do que a menina.
Acho que os dois sofrem o mesmo grau de vigilância, porém
diferente. A vigilância da menina, em termos de bom comportamento,
compreende o fato de ela proteger sua virgindade, ser uma boa mãe,
avó, e uma boa companheira do marido. Então, nesse
sentido, a menina está sempre sendo testada em termos de
suas condições para cumprir com certo papel social.
No caso do menino, sim, ele está sempre sendo testado em
termos de sua masculinidade, de seu machismo, de sua sexualidade.
Assim, tanto o menino quanto a menina atravessam algum tipo de vigilância.
Agora, se fosse certo que o menino é mais questionado e mais
testado do que a menina, isso seria devido ao fato de que o homem
é considerado o mais importante na sociedade. Além
disso, o homem teria que sustentar as estruturas da sociedade e
a mulher teria de apoiá-lo. No fundo, eu acho que é
interessante verificar que tanto o menino quanto a menina são
igualmente questionados e testados em nossas sociedades, mas de
maneiras diferentes, porque os papéis sociais e as conseqüências
que vão cumprir com esses papéis sociais são
diferentes.
Lizandro C. Calegari: Em
suas palestras, você afirmou que acredita numa escrita feminista,
mas não acredita numa escrita feminina. Gostaria que você
falasse acerca disso.
David W. Foster: Acredito
numa escrita feminista, mas não acredito numa escrita feminina.
E o que entendemos por escrita feminina é uma escrita que
possa ser identificada como uma escrita de uma mulher. Essa seria
uma escrita que teria características inquestionavelmente
identificáveis como de uma maneira privilegiada de escrever
de uma mulher até o ponto de podermos examinar, por exemplo,
dez escritos e termos condições de dizer que um determinado
número foi escrito por homens e um determinado número
foi escrito por mulheres tendo em vista características internas.
Acho que seria ridículo presumir poder fazer isso, porque
a idéia de um escrito que seja absolutamente privativo das
mulheres, de todas as mulheres, de qualquer mulher que escreva
que exclua qualquer homem que escreve é simplesmente uma
postura incoerente, começando pelo simples fato de que se
tem uma enorme diversidade entre as mulheres. E, para entender o
que quer dizer a categoria de mulher, temos que começar questionando
o que entendemos por mulher, e o que entendemos por homem, e homens
que escrevem como mulheres e quais são as categorias que
operam sobre a base insustentável em termos de marcadores
lingüísticos, semióticos ou discursivos. Então,
em conclusão, acho que, em termos de uma escrita feminista,
existe uma incoerência possível de se identificar.
Agora, a escrita feminista é outra coisa. A escrita feminista
implica ser uma maneira de escrever que tem a ver com o feminismo,
aqui entendido como uma certa postura de questionamentos analíticos
e críticos do sistema de gênero, do sistema de identidade
sexual, do sistema de poder entre homens e mulheres e que tem a
ver com o questionamento do que é ser mulher e do que é
ser homem, a viabilidade das categorias de uma mulher e uma possibilidade
de revisão dessas categorias, a possibilidade de se fazer
uma revisão dos elementos constituintes dessas categorias.
É isso que a gente entende por feminismo, quer dizer, não
certa maneira de escrever, mas certa maneira de organizar um escrito
constatando posturas analíticas desconstrutivistas perante
um modelo social. Nesse sentido, qualquer um poderia configurar
um escrito feminista porque não é necessariamente
o das mulheres, poderia ser dos homens que adotam determinada postura
analítica e crítica. E nem todas as mulheres são
feministas. Então, o feminismo tem a ver com um questionamento
da dinâmica social, mas não é necessariamente
uma postura vinculada absolutamente à das mulheres, e, por
isso, poderia pertencer a qualquer sujeito social, ou qualquer sujeito
social poderia adotar uma postura feminista.
Lizandro C. Calegari: Observa-se
ainda uma discriminação contra pessoas homossexuais
e negras só para citar dois exemplos. O que há de
errado em relação às pessoas homossexuais e/ou
negras?
David W. Foster: É
bom você dizer "só para citar dois exemplos",
porque o homossexual e o negro não são os únicos
sujeitos sociais discriminados, perseguidos, castigados pela sua
identidade. Isso poderia se estender aos judeus, para as pessoas
que moram nas ruas, por exemplo. Agora, você pergunta o que
há de errado nessa situação. Bem, não
sei se podemos falar em erros sociais, poderíamos falar em
incoerências sociais. Toda sociedade funciona em termos de
uma estrutura dinâmica e nela sempre ficam os grupos dos excluídos.
Logo, a questão seria como incluir esses grupos excluídos.
Nesses termos, podemos falar da questão do homossexual, ou
dos sujeitos de desejos homoeróticos que é a configuração
léxica que eu preferiria para falar desse grupo. Temos que
lutar contra uma dinâmica social moderna que é bastante
rígida nas categorias de identidade referente à nacionalidade,
à religião, ao gênero, à sexualidade,
à raça, pois o sujeito fica subjugado a essas identidades,
que são muito vezes parte de um projeto sócio-nacional
(que, por sua vez, poderia ser ditatorial e até tirânico).
Em termos de uma transição do moderno ao pós-moderno,
em que, por exemplo, existe uma quantidade de pesquisa sobre a busca
de uma identidade nacional coerente, em que é possível
pensarmos em termos de posições sociais fixas e falarmos
em termos positivos, estamos ficando muito mais eficazes, muito
mais produtivos para a sociedade considerar as possibilidades das
mutações dos padrões sociais, da mutabilidade
nos fatores sociais e compor um novo homossexual que poderia passar
a ocupar uma posição dentro da dinâmica social.
Então, mais do que nada, é uma questão de contemplar
a possibilidade de que, em certos momentos, estamos excluindo certos
sujeitos sociais, e perguntarmos qual a dinâmica social e
quais poderiam ser as conseqüências diante de uma configuração
dinâmica no qual eles poderiam ser incluídos.
Lizandro C. Calegari: As
sociedades, de uma forma geral, têm interiorizadas as estruturas
do autoritarismo. Em virtude disso, muitos elementos autoritários
tornam-se despercebidos e encarados como normais na constituição
social. Então, esses traços que legitimam uma sociedade
autoritária se adaptariam a fim de permanecer vigorando numa
determinada sociedade em diferentes épocas? Gostaria que
você falasse acerca disso.
David W. Foster: Essa é
uma pergunta complexa demais, então veremos por onde nós
podemos começar a respondê-la. Em primeiro lugar, me
faz lembrar de uma piada que dissemos em inglês cuja tradução
seria mais ou menos a seguinte: "vamos ser razoáveis,
vamos fazer as coisa como eu dizer" ("Lets be reasonable,
we will do it my way"). Acho que essa é uma tendência
humana normal, se não bastante comum. Então, todos
queremos que o mundo seja mais humano conosco, e que as coisas sejam
mais ou menos pensadas. Então, é fundamental a existência
do autoritarismo, porque em todas as sociedades sofremos algum tipo
de autoritarismo político, religioso, econômico, que
produz um tipo de macro-autoritarismo que, em termos históricos,
faz parte da sociedade. O que é um dado importante para nós,
hoje, é a concepção da impossibilidade das
estruturas coerentes em nossas sociedades pós-modernas, quer
dizer, acompanhando o desenvolvimento de nossas sociedades, é
impossível manter uma coerência global, onde recentemente
se tem uma consciência dessa impossibilidade. O importante
é a impossibilidade de manter uma coerência e uma dinâmica
social. Temos de começar a questionar as dinâmicas
sociais; e, nesse sentido, o questionamento acerca do autoritarismo
tem sido absolutamente central. Isso porque o autoritarismo de outra
sociedade, de outra época histórica não funciona
para as sociedades atuais da mesma maneira. Assim, estamos falando
de duas coisas: estamos falando em termos de uma necessidade de
entender como o autoritarismo poderia funcionar em uma sociedade
complexa que contemplamos hoje não funciona, e entender quais
são as conseqüências em se manter as estruturas
do autoritarismo, ou desse autoritarismo que busca o poder. A democracia
não é necessariamente democrática, porque ela
é um conceito que conserva muitos elementos autoritários,
como foi o caso dos Estados Unidos. Nós poderíamos
dizer que os Estados Unidos são o país mais democrático
do mundo mas não sei se concordo com isso , mas há
pessoas que afirmam isso. Então, se os Estados Unidos são
um dos países mais democrático do mundo, então,
nesse momento, é válido dizer que a democracia latino-americana
funciona com muitos elementos autoritários. O que eu estou
dizendo é que possivelmente não seja simplesmente
uma questão de sobrelevar o autoritarismo suplantado com
a democracia, senão entender como podemos criar uma situação
de problemas e questionamentos provenientes do autoritarismo, certo
que este último seja necessário para sustentar as
estruturas sociais.
Lizandro C. Calegari: Qual
o impacto dos acontecimentos do "11 de setembro" sobre
as sociedades mundiais?
David W. Foster: Eu acho
que a maior conseqüência dos acontecimentos do "11
de setembro" é a emergência de um autoritarismo
inquestionável. O que está acontecendo pelo menos
nos Estados Unidos e em muitas sociedades reguladas pelos Estados
Unidos ou que têm relação com os Estados Unidos
é um tipo de neofascismo em que é impossível
questionar o autoritarismo. O presidente George W. Bush começou
com uma posição política muito fraca devido
a todos os acontecimentos relacionados com a que ele fez no ano
2000. Mas os acontecimentos do "11 de setembro" têm
fornecido uma base sócio-política muito autoritária
e o mais terrível dessa base é que tem ficado quase
impossível questionar o novo autoritarismo que tem emergido
em torno dessa consolidação sócio-política
em defesa da segurança nacional. E vocês brasileiros
entendem muito bem as repercussões de uma fase com insegurança
nacional. E devemos lembrar que teremos chegado ao caso dos Estados
Unidos em uma ditadura militar. Estamos falando em termos da segurança
nacional mais ou menos da mesma maneira do que se falou aqui na
América Latina nos anos 60 e 70. As conseqüências
disso têm sido terríveis dentro dos Estados Unidos
na emergência de um patriotismo que tem refletido neste país
nesses momentos, e também em outras direções,
como, por exemplo, as medidas de segurança nos aeroportos
e nas estradas do país. As implicâncias para o mundo
se traduzem em termos de graves problemas às pessoas consideradas
"de cor" em termos da sociedade norte-americana e os problemas
que eles têm dentro dos Estados Unidos e em chegar aos Estados
Unidos tendo em vista um poder de um governo veemente dentro dos
Estados Unidos. Isso quer dizer que o árabe está sofrendo
muitas discriminações e é também o que
está acontecendo com muitas outras pessoas que não
são árabes, mas que estão sendo consideradas
como se fossem árabes. O resultado de tudo isso é
o sufocamento de um discurso crítico anti-semítico
dentro dos Estados Unidos e com referência aos Estados Unidos.
Nesse momento, os Estados Unidos e aqui estou falando em termos
do governo e dos setores da sociedade que apoiam o governo neste
momento vêm atravessando graves problemas, e, por isso,
vocês não têm o direito de questionar e de criticar
as medidas que nós temos adotado. Se vocês estivessem
em nosso lugar, vocês estariam fazendo a mesma coisa em virtude
de um nacionalismo americano perante o mundo. Em conclusão,
eu diria que é uma situação muito lamentável
a violência que os Estados Unidos têm sofrido, mas as
projeções da resposta é de natureza profundamente
violenta também.