TEMPO
PERDIDO? A POÉTICA DE RENATO RUSSO NO CONTEXTO DA INDUSTRIA
CULTURAL
[1]
Juliana
Beatriz Klein [2]
RESUMO:
A comunicação, diferencial fundamental do ser humano, é responsável
pelos mais diversos avanços. Por outro lado, a linguagem nem sempre
tem sido utilizada para o bem. Retrospectivamente, deve-se lembrar
que a linguagem constitui uma arma, e é nesse sentido que pretendemos
analisá-la: como arma para a denúncia. Renato Russo, compositor
(indefectivelmente ligado à Indústria Cultural) pode ser considerado
um paradigma, dado o fato de que nega o aspecto estereotipado que
a maioria dos autores da IC apresentam. Sua obra será analisada
sob a perspectiva da denúncia e crítica sociais, e isso nos permitirá
demonstrar que o autor merece atenção (até mesmo por parte do mundo
das Letras).
As
questões relativas a qualquer tipo de autoritarismo são rechaçadas
de maneira veemente, seja pelos defensores dos direitos humanos,
seja por qualquer pessoa que tenha atitudes coerentes. Entretanto,
mesmo que a maioria se porte de forma adequada relativamente aos
outros, ainda existem instituições que não primam pela preocupação
com o bem coletivo, caracterizando-se pela violência, coação e repressão
dos mais diversos segmentos sociais.
A tão citada comunicação entre os povos é perseguida há milênios e, ao
que tudo indica, foi finalmente descoberta uma maneira rápida e
eficaz para tal finalidade. Os avanços tecnológicos, como a Internet,
deveriam auxiliar nesse sentido. O que se observa concretamente,
entretanto, é o fato de que esta tecnologia tem sido usada mais
e mais para a destruição do outro. Como afirma George Steiner, “o
inferno pareceu o mais fácil de recriar” (Steiner, G. 1991, p. 90),
e esta facilidade de criar o inferno na terra denuncia a falência
de um sistema que não prima pelo bem comum, mas pela urgência em
se sobrepor ao outro.
Os problemas
levantados se relacionam, direta ou indiretamente, com a cultura.
De um modo geral, a cultura de determinada comunidade é que promove
ou privilegia atitudes fascistas. E é neste choque entre culturas
que algumas pessoas se destacam. Quer seja em grupos ou mesmo individualmente,
essas pessoas se distinguem pela preocupação com o outro, com seus
problemas e tudo mais que possa prejudicá-lo, auxiliando a sociedade
a tomar consciência para o fato de que tudo que é necessidade básica
para uns, também deve ser para os outros (Candido, A. 1998, p. 239).
O
mundo globalizado, o rompimento de fronteiras estatais e a facilidade
da comunicação promovidos pela tecnologia deveriam, lógica e concretamente,
auxiliar em questões como a segregação social de minorias. A dificuldade
de alcance a uma vida digna, com casa, comida e educação certamente
é responsável por grande parte dos atos de violência que presenciamos
diariamente. O que leva pessoas excluídas à violência é explicável
pelo fato de se encontrarem fora do mercado de trabalho e longe
dos meios de sobrevivência humana. Entretanto, é difícil explicar
o fato de que pessoas educadas possam cometer atrocidades e portarem-se
frente ao mundo propagando a exclusão, a necessidade de um “saneamento”
social.
Na
esteira dessas observações acerca da comunicação e da cultura em
geral evidencia-se um fato digno de nota. A arte, como reflexo do
espírito humano criador e dotado artisticamente, desde seus primórdios,
esteve ligada a funções sociais muito fortes, caracterizando-se
pela participação na vida das comunidades através dos ritos e das
religiões (Livro Aberto. 1998, pp. 6-8).
Podemos
observar, desde que o homem passou a tomar conhecimento do mundo,
que a arte esteve presente em todos os momentos de sua vida útil,
quer seja como uma necessidade espiritual (caso dos ritos), quer
seja como uma necessidade catequizadora e de conversão (sabemos
que os jesuítas valiam-se da arte teatral para converter os índios
ao cristianismo), quer seja como uma necessidade física, estética
e pessoal. Como é possível comprovar, a arte é presença constante
e certa na vida das pessoas, independente do motivo porque isso
acontece.
Como
presença constante, seria de se esperar que a própria arte, enquanto
entidade autônoma, servisse como método eficaz para a conscientização
das pessoas, dado o fato de que ela não proporciona somente embevecimento
e prazer estético, mas também a reflexão crítica, o pensamento transformador,
a vontade da mudança (acreditamos que toda forma de arte deveria
privilegiar a reflexão, a crítica do mundo e, conseqüentemente,
a transformação do mundo ao redor de quem observa a arte).
Para
Anatol Rosenfeld, “a arte é a expressão de uma imensa esperança”
(Rosenfeld, A. 1993, p. 192). Entretanto, como é fácil perceber,
nem sempre isso acontece. Há pessoas, dotadas de espírito crítico
em virtude de sua formação intelectual, que não se caracterizam
pela identificação com os outros enquanto seres humanos, dando a
impressão de senti-los como parias ou, simplesmente, como rivais,
o que explica a necessidade de destruição que esse sentimento provoca.
Para Walter Benjamin (Benjamin, W. 1983, p. 28), os meios de comunicação
de massa, assim como a obra de arte, são “bons” contanto que sejam
usados de forma politizada, o que implica dizer que são “produtivos”
a partir do momento que propiciam, além de diversão, a possibilidade
de tomada de consciência, a permanência do estado de alerta constante
– que leve as pessoas a não perderem de vista seu estado de excluídos
da sociedade e de “vítimas” do sistema.
Por
outro lado, o autor clama para que os escritores, artistas e demais
personalidades de destaque posicionem-se a favor dos direitos do
outro, entendido este outro como o proletariado da época em que
se pronunciou (Benjamin, W. 1991, pp. 189-90). Entretanto, tal apelo
pode ser transferido para os dias atuais. Benjamin dedica-se a uma
incursão pela imprensa e afirma que todo e qualquer artista, consciente
de sua posição perante a sociedade, deve tentar domar a imprensa
e trazê-la para o lado dos operários, o que implica dizer, segundo
nossa visão, que todo e qualquer artista tem como tarefa principal,
ainda que implicitamente, ajudar as pessoas no sentido mais amplo
possível, quer seja através da conscientização por seus escritos,
quer seja a participação em movimentos que privilegiem o bem-estar
coletivo.
Há
autores que, amparados na sua popularidade, construíram obras cujo
valor humanitário ou de denúncia fizeram-se ver mesmo em período
de profunda repressão política. Casos como o de Carlos Drummond
de Andrade que, em plena época da 2ª Guerra Mundial, demonstrou
profunda identificação com o sentimento coletivo de abandono e de
perplexidade frente às atrocidades cometidas em nome de uma suposta
“superioridade” nacional; Chico Buarque de Holanda que, mesmo em
um período de repressão duríssima fez chegar até nós estrofes como
“ninguém vai sentir a sua falta” que, de forma implícita, dizia
respeito ao governo que, à época, era déspota e autoritário aos
extremos; Cazuza, com a sua “a burguesia fede/ a burguesia quer
ficar rica/ enquanto houver burguesia/ não vai haver poesia”, demonstrou
profundo senso crítico e de solidariedade; Renato Russo, ícone de
uma época que ainda não acabou, que compôs músicas cujas letras
diziam – e ainda dizem respeito – sobre o estado caótico de coisas
que encontramos em nossa sociedade. Seria de se esperar que, de
acordo com a formação intelectual, dezenas de artistas se propusessem
a se identificar com o povo a sua volta, de modo que promovessem
ou privilegiassem o pensamento crítico, a reflexão. Por conta de
seu alcance, esses autores deveriam, necessariamente, mostrar-se
afinados com os desejos e insatisfações da maioria da população
que, em última instancia, são consumidores de seu trabalho.
O
que se observa, contudo, é o fato de a maioria dos autores, escritores
e demais personalidade ver-se em estado de exceção, como se não
fizessem parte da sociedade, mas fossem elementos à parte, intocáveis
e, por isso, sem maior necessidade de participação. Apesar de ser
lamentável e, por vezes, criticável, cada pessoa tem o direito de
se portar da maneira que lhe convier, ainda que pudesse ser esperado
dela uma atuação ativa junto ao seu público.
Conforme
afirmado, há autores que se destacam ao proporcionar uma visão diferenciada
da sociedade, mostrando em seus escritos mais do que a réplica do
que é afirmado pelos livros oficiais. São indivíduos conscientes,
que demonstram identificação com o estado de coisas que se apresenta,
bem como com as pessoas que “sofrem” o estado das coisas.
Gostaríamos
de acrescentar que a qualidade das produções independe da Indústria
Cultural (IC), sendo tributária de produtores desinteressados no
social ou, mesmo, de produtos de qualidade. Assim, a IC deve ser
vista enquanto veículo, e não como responsável pela produção. O
aspecto cultural, no sentido da construção de significados que poderiam
vir a ser assimilados pelos fruidores é, na maioria das vezes, deixado
de lado em favor de objetos destituídos de qualidade que, sem dúvida,
dependem de um “construtor” específico, que determina a ênfase que
o produto pretende ter.
Transcrevemos
abaixo a canção Tempo perdido. A escolha dessa música pretende
enfatizar uma característica marcante de Renato Russo, qual seja,
o fato de o autor não ter de, necessariamente, se apoiar em elementos
explícitos de denúncia, mas poder exercer a denúncia e a crítica
através da perplexidade dos sujeitos líricos. Cremos que, além de
o meio não determinar a obra, com as características da IC não sendo
refletidas nos objetos produzidos pelo autor, também a reivindicação
de melhorias não precisa, necessariamente, passar pela “panfletagem”.
Cabe acrescentar que o fato de analisarmos o poema verso a verso,
ou seja, como paráfrase, pretende manter a integridade do texto
tendo em vista a quantidade de elementos que o mesmo contém.
Tempo perdido, Dois,
1986
-
Todos os dias quando acordo
- Não
tenho mais o tempo que passou
- Mas
tenho muito tempo:
- Temos
todo o tempo do mundo
- Todos
os dias antes de dormir,
- Lembro
e esqueço como foi o dia:
- Sempre
em frente,
- "Não
temos tempo a perder”.
- Nosso
suor sagrado
- É
bem mais belo que esse sangue amargo
- E
tão sério
- E
selvagem.
- Veja
o sol dessa manhã tão cinza:
- A
tempestade que chega é da cor dos teus olhos castanhos
- Então
me abraça forte e me diz mais uma vez
- Que
já estamos distantes de tudo:
- Temos
nosso próprio tempo.
- Não
tenho medo do escuro, mas deixe as luzes acesas agora.
- O
que foi escondido é o que se escondeu
- E
o que foi prometido, ninguém prometeu.
- Nem
foi tempo perdido;
- Somos
tão jovens.
Sob
a perspectiva da análise formal, podemos dizer que os metros são
irregulares, não apresentando preocupação que o número de sílabas
poéticas seja uniforme. Quanto às rimas, essas ocorrem em dois momentos:
versos 1 e 4 e versos 19 e 20.
Podemos
fazer referência à importância da sonoridade do texto. Destaca-se
a presença de aliterações (D/T/S/M) e assonâncias (O/E). Esses recursos
sonoros permitem que o texto possa ser “ouvido” mesmo quando apenas
lido. A sonoridade é uma das principais características dos poemas
literários.
A
antítese, figura de linguagem bastante utilizada, expressa contradição
e aproxima campos semânticos distintos. Ao utilizar essa figura,
o poeta “une” campos contraditórios, de modo a chamar a atenção
ao que está sendo dito. As antíteses do texto são: “lembro e esqueço”
no verso 6; “sério e selvagem” nos versos 11 e 12; “sol dessa manhã
tão cinza” no verso 13; “não tenho medo do escuro, mas deixe as
luzes acesas agora” no verso 18.
A
partir das constatações formais, podemos afirmar que a “aparência”
do texto não se preocupa em ser perfeita, mas que seja adequada
e que suporte o conteúdo do poema. Contando com o apoio de figuras
expressivas da linguagem literária, o texto apresenta-se perfeitamente
coeso apesar da quantidade de elementos aparentemente díspares que
comporta.
O
sujeito lírico (primeira pessoa) expõe suas ansiedades frente ao
mundo que representa no poema. Esse mundo, contraditório em essência,
é representado por imagens contrárias, em que o sujeito se vê, ele
próprio, entre a aparência e a essência, ou seja, o tempo a
que o poema se refere independe de ações particulares mas, ainda
assim, constitui-se como um momento de reflexão que poderia vir
a corrigir os “erros” cometidos e, assim, modificá-los a fim de
que sejam adequados futuramente.
O
poema refere-se à vida privada, mais especificamente à vida interior
de uma coletividade, no caso, os jovens. O sujeito lírico não é
reconhecível, permitindo que o discurso seja utilizado por qualquer
pessoa que se identifique com o conteúdo.
A
contraposição de termos pertencentes a campos semânticos antagônicos
– exemplificada pelas antíteses do poema – nos leva a pensar que
a passagem do tempo poderia resolver todos os problemas porque,
conforme afirmado, trata-se de uma representação da vida (interior)
da juventude, com todos os questionamentos que se os jovens se fazem.
Esse
poema inicia em primeira pessoa do singular e, logo a seguir, como
que se identifica com as demais pessoas, posto que sugere em terceira
pessoa do plural: Temos todo o tempo do mundo (verso 4).
O
primeiro verso do poema estabelece um momento de reflexão e, unido
ao segundo, expressa a impotência do sujeito em relação ao tempo.
Ao afirmar que não tem “mais o tempo que passou”, o sujeito lírico
como que admite suas falhas, resignando-se.
Contudo,
no verso 3 a conjunção adversativa “mas” como que desmente o verso
anterior, em que o sujeito lírico afirmara não ter mais todo o tempo
que tinha. A utilização da conjunção propõe que o sujeito ainda
tenha tempo, tendo em vista que o “mas” pode se constituir num “paliativo”,
ou num momento em que o sujeito, revendo seus atos, os pudesse pôr
em prática novamente com a certeza do acerto, pois tem “muito tempo”.
O fato de admitir que tem “todo o tempo do mundo”, ainda que não
possa contar com o tempo passado, sugere que as coisas possam ser
modificadas a partir da reflexão proposta.
“antes
de dormir” pode ser o momento de reflexão em que o sujeito, “todos
os dias”, revê os fatos acontecidos, pensando em seus atos, lembrando
(provavelmente os acertos) e esquecendo (os erros). Os versos 7
e 8 constituem-se num chavão muito utilizado, pois “Sempre em frente/Não
temos tempo a perder” sugere a idéia de que não há tempo para olhar
para trás e ficar contemplando situações já passadas. Poderíamos,
inclusive, remeter ao famoso “Time is money”, slogan utilizado nos
Estados Unidos. Paradoxalmente ao que anunciara, essa expressão
indica a necessidade de urgência nos atos, tendo em vista que “tempo
é dinheiro” e, por isso, não pode ser desperdiçado com coisas passadas.
O
“suor sagrado” do verso 9 pode ser entendido como o suor do trabalhador,
sendo “belo” pelo que representa (trabalho honesto e digno, por
exemplo). O “sangue amargo”, no verso 10, poderia referir-se a alguma
bebida intragável, ou algo que não seja de fácil apreensão. Esse
mesmo sangue é “sério e selvagem”.
A
antítese sugere que o sangue (ou a pessoa que o sangue representa,
sendo uma metonímia) seja “civilizado” (sério) e ao mesmo tempo
selvagem. Diríamos que essa categorização refere-se ao sujeito lírico,
uma vez tendo afirmado que o mesmo se encontra entre a essência
e a aparência e, assim, poderia comportar em si esses dois elementos
(sério e selvagem), debatendo-se entre ambos.
O
“sol da manhã tão cinza” pode ser referência à poluição (“natural”
em cidades industrializadas) bem como à falta de perspectivas que
o sujeito lírico percebe. A seguir, a tempestade (talvez fruto do
cinza do verso anterior) é da cor castanha, porém não só a tempestade,
como também o provável interlocutor do sujeito, posto que é da cor
dos “teus” olhos.
O
pronome possessivo “teus” acrescenta um dado novo, pois até então
o sujeito aparentemente conversava sozinho, ou expunha suas dúvidas
a qualquer pessoa. O surgimento de alguém (com olhos castanhos)
pressupõe que o sujeito troque idéias com alguém que, muito provavelmente,
compartilhe as mesmas dúvidas e ansiedades.
O
fato de pedir para ser abraçado indica que o sujeito encontra-se
carente, ou confuso, ou ainda perdido. E acrescenta, indiretamente,
que “alguém” saiba mais, ou talvez possa ajudá-lo, uma vez que pede
ajuda para afirmar (para si mesmo?) que está “distante de tudo”,
porque “temos nosso próprio tempo”.
O
sujeito lírico parece referir-se a um tempo à parte do tempo
que todas as pessoas têm. Conforme verso 17, “Temos nosso próprio
tempo”. Assim, a juventude (se aceitamos que o poema
se refere a essa categoria) teria mais tempo para as suas coisas,
de modo que poderia realmente transformar o ambiente em que vive,
sem ter de se preocupar com a passagem do tempo.
O
sujeito afirma, no verso 18, que não tem medo do escuro, (que poderia
ser entendido como o desconhecido, algo que o mesmo não pode prever).
Contudo, pede que (alguém) “deixe as luzes acesas agora”. Nessa
antítese o sujeito novamente se contradiz, como se pretendesse se
auto-afirmar (ao dizer que não tem medo do escuro/desconhecido,
porém pedindo que a luz permaneça acesa, talvez para iluminar seu
caminho, ou seus pensamentos).
Os
versos 19 e 20 são os mais obscuros. “O que foi escondido (...)/
O que foi prometido” poderia ser entendido como algo que
está por ser encontrado e feito. No entanto, conforme verso 20:
“ninguém prometeu”. É paradoxal que algo seja prometido e,
logo a seguir, afirme-se que ninguém prometeu. Poderíamos aventar
que essas promessas sejam parte de interesses maiores, como as promessas
que vemos surgir em épocas de campanhas políticas, por exemplo.
O
verso 22 resume o poema: “Somos tão jovens”, e complementa o 21,
“Nem foi tempo perdido”. O final do poema como que exige a presença
do primeiro verso novamente, pois “somos tão jovens”, o que nos
leva a refletir sobre nossos atos na certeza de que teremos tempo
para corrigi-los. O poema, no entanto, não apresenta claramente
um sentido de correção, mas simplesmente expõe as dúvidas do sujeito
lírico e sua dificuldade de entendimento do mundo (que é reforçado
pela utilização constante da antítese).
Se
levássemos em conta somente o título do poema, poderíamos afirmar
que o mesmo, além de se referir ao tempo passado (com todas as implicações
citadas), poderia se constituir num “tempo perdido”. Talvez, pelo
fato de o sujeito ter feito coisas erradas (daí a reflexão). Contudo,
o poema em si propõe a reflexão como momento para revisão dos atos
a fim de, provavelmente, tornar as atitudes adequadas quando novamente
forem postas em prática.
Assim,
podemos dizer que o sujeito lírico, perplexo diante da realidade,
procura por alguém que pudesse explicar o que está acontecendo e,
sobretudo, questiona-se por que está acontecendo. O tempo, constantemente
retomado, pode ser transformado, ainda que o sujeito não saiba como
isso possa ser feito e que não haja ninguém para ajudá-lo a entender
a situação.
A
passagem do tempo talvez não seja representativa da tentativa do
autor de criticar o mundo, denunciando-o. O passar do tempo, como
o entendemos, representa muito mais do que a cronologia; ele é significativamente
responsável pelas transformações das pessoas. Cabe destacar que
o sujeito lírico não apresenta uma atitude passiva diante dos fatos
que descreve mas, através do questionamento, situa o leitor, instigando-o
a participar.
Cremos
que a exploração do poema pode demonstrar a existência de elementos
de denúncia (ainda que velada), perplexidade, ironia, desalento.
Entendemos que toda a obra do autor é permeada por questões controversas
que buscam, cada qual à sua maneira, elucidar seu leitor/ouvinte.
O modo encontrado por Renato Russo para denunciar deixa claro que,
mesmo que um artista não faça parte do cânone e mesmo não sendo
reconhecido pelo circuito literário (leia-se Academia), nada o impede
de, artisticamente, expor idéias cotidianas e que denotam profunda
identificação com a população. Entendemos inclusive que todo artista
deveria fazer sua parte. A parte que cabe a cada um é determinada
pela posição que ocupa na escala social. Quanto mais se sobressair
em relação aos outros, mais deve a pessoa (quer seja artista, político)
promover a reflexão, o pensamento crítico e, implicitamente, possibilidades
e caminhos para a mudança.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BENJAMIN,
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Benjamin – Sociologia. 2ª ed.
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ROSENFELD,
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STEINER,
George. No castelo do Barba Azul. Trad. Tomaz A. Bueno. São
Paulo: Companhia das Letras, 1991.
[1] Artigo apresentado por ocasião da disciplina Literatura
e Ceticismo, freqüentada no segundo semestre/2000 no curso de mestrado
em Letras. As reflexões presentes nesse artigo integram a dissertação
de mestrado intitulada Com licença (poética): a obra de Renato
Russo no contexto da Indústria Cultural – a representação do sistema
autoritário brasileiro, defendida em março/2002, cuja pesquisa
integra o Projeto Integrado Literatura e Autoritarismo.
[2] Mestre em Letras pela UFSM.
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